domingo, 24 de outubro de 2010

NENHUM VOTO A SERRA: leia deliberação do PSOL sobre o voto no 2º turno

NENHUM VOTO A SERRA

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) mereceu a confiança de mais de um milhão de brasileiros que votaram nas eleições de 2010. Nossa aguerrida militância foi decisiva ao defender nossas propostas para o país e sobre ela assentou-se um vitorioso resultado.

Nos sentimos honrados por termos tido Plínio de Arruda Sampaio e Hamilton Assis como candidatos à presidência da República e a vice, que de forma digna foram porta vozes de nosso projeto de transformações sociais para o Brasil. Comemoramos a eleição de três deputados federais (Ivan Valente/SP, Chico Alencar/RJ e Jean Wyllys/RJ), quatro deputados estaduais (Marcelo Freixo/RJ, Janira Rocha/RJ, Carlos Giannazi/SP e Edmilson Rodrigues/PA) e dois senadores (Randolfe Rodrigues/AP e Marinor Brito/PA). Lamentamos a não eleição de Heloísa Helena para o Senado em Alagoas e a não reeleição de nossa deputada federal Luciana Genro no Rio Grande do Sul, bem como do companheiro Raul Marcelo, atual deputado estadual do PSOL em São Paulo.

Em 2010 quis o povo novamente um segundo turno entre PSDB e PT. Nossa posição de independência não apoiando nenhuma das duas candidaturas está fundamentada no fato de que não há por parte destas nenhum compromisso com pontos programáticos defendidos pelo PSOL. Sendo assim, independentemente de quem seja o próximo governo, seremos oposição de esquerda e programática, defendendo a seguinte agenda: auditoria da dívida pública, mudança da política econômica, prioridade para saúde e educação, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, defesa do meio ambiente, contra a revisão do código florestal, defesa dos direitos humanos segundo os pressupostos do PNDH3, reforma agrária e urbana ecológica e ampla reforma política – fim do financiamento privado e em favor do financiamento público exclusivo, como forma de combater a corrupção na política.

No entanto, o PSOL se preocupa com a crescente pauta conservadora introduzida pela aliança PSDB-DEM, querendo reduzir o debate a temas religiosos e falsos moralismos, bloqueando assim os grandes temas de interesse do país. Por outro lado, esta pauta leva a candidatura de Dilma a assumir posição ainda mais conservadora, abrindo mão de pontos progressivos de seu programa de governo e reagindo dentro do campo de idéias conservadoras e não contra ele. Para o PSOL, a única forma de combatermos o retrocesso é nos mantermos firmes na defesa de bandeiras que elevem a consciência de nosso povo e o nível do debate político na sociedade brasileira.
As eleições de 2002, ao conferir vitória a Lula, traziam nas urnas um recado do povo em favor de mudanças profundas. Hoje é sabido que Lula não o honrou, não cumpriu suas promessas de campanha e governou para os banqueiros, em aliança com oligarquias reacionárias como Sarney, Collor e Renan Calheiros. Mas aquele sentimento popular por mudanças de 2002 era também o de rejeição às políticas neoliberais com suas conseqüentes privatizações, criminalização dos movimentos sociais – que continuou no governo Lula -, revogação de direitos trabalhistas e sociais.

Por isso, o PSOL reafirma seu compromisso com as reivindicações dos movimentos sociais e as necessidades do povo brasileiro. Somos um partido independente e faremos oposição programática a quem quer que vença. Neste segundo turno, mantemos firme a oposição frontal à candidatura Serra, declarando unitariamente “NENHUM VOTO EM SERRA”, por considerarmos que ele representa o retrocesso a uma ofensiva neoliberal, de direita e conservadora no País. Ao mesmo tempo, não aderimos à campanha Dilma, que se recusou sistematicamente ao longo do primeiro turno a assumir os compromissos com as bandeiras defendidas pela candidatura do PSOL e manteve compromissos com os banqueiros e as políticas neoliberais. Diante do voto e na atual conjuntura, duas posições são reconhecidas pela Executiva Nacional de nosso partido como opções legítimas existentes em nossa militância: voto crítico em Dilma e voto nulo/branco.  O mais importante, portanto, é nos prepararmos para as lutas que virão no próximo período para defender os direitos dos trabalhadores e do povo oprimido do nosso País.

Executiva Nacional do PSOL – 15 de outubro de 2010.

Plínio de Arruda Sampaio : Manifesto à Nação

Plínio de Arruda Sampaio
De São Paulo


Para os socialistas, a conquista de espaços na estrutura institucional do Estado não é a única nem a principal das suas ações revolucionárias. Em todas estas, os objetivos centrais e prioritários são sempre os mesmos: conscientizar e organizar os trabalhadores, a fim de prepará-los para o embate decisivo contra o poder burguês.
Fiel a esta linha, a campanha do PSOL concentrou-se no tema da igualdade social, o que possibilitou demonstrar claramente que, embora existam diferenças entre os candidatos da ordem, são diferenças meramente adjetivas.
Isto ficou muito claro diante da recusa assustada e desmoralizante das três candidaturas a firmar compromissos com propostas de entidades populares - como a CPT, o MST, as centrais sindicais, o ANDES, o movimento dos direitos humanos - nas questões chaves da reforma agrária, redução da jornada de trabalho sem redução salarial, aplicação de 10% do PIB na educação, combate à criminalização da pobreza.
Não há razão para admitir que se comprometam agora, nem para acreditar que tais compromissos sejam sérios, como se vê pelo espetáculo deprimente da manipulação do sentimento religioso nas questões do aborto, do casamento homossexual, dos símbolos religiosos - temas que foram tratados com espírito público e coragem pela candidatura do PSOL. Nem se fale da corrupção, que campeia ao lado dos escritórios das duas candidaturas ora no segundo turno.
Cerca de um milhão de pessoas captaram nossa mensagem. Constituem a base de interlocutores a partir da qual o PSOL pretende prosseguir, junto com os demais partidos da esquerda, a caminhada do movimento socialista no Brasil.
O segundo turno oferece nova oportunidade para dar um passo adiante na conscientização. Trata-se de esmiuçar as diferenças entre as duas candidaturas que restam, a fim de colocar mais luz na tese de que ambas são prejudiciais à causa dos trabalhadores.
O candidato José Serra representa a burguesia mais moderna, mais organicamente ligada ao grande capital internacional, mais truculenta na repressão aos movimentos sociais. No plano macroeconômico, não se afastará do modelo neoliberal nem deterá o processo de reversão neocolonial que corrói a identidade moral do povo brasileiro. A política externa em relação aos governos progressistas de Chávez, Correa e Morales será um desastre completo.
A candidata Dilma Rousseff é uma incógnita. Se prosseguir na mesma linha do seu criador - o que não se tem condição de saber - o tratamento aos movimentos populares será diferente: menos repressão e mais cooptação. Do mesmo modo, Cuba, Venezuela, Equador e Bolívia continuarão a ter apoio do Brasil.
Sob este aspecto, Dilma leva vantagem sobre a candidatura Serra. Mas não se deve ocultar, porém, o lado negativo dessa política de cooptação dos movimentos populares, pois isto enfraquece a pressão social sobre o sistema capitalista e divide as organizações do povo, como, aliás, está acontecendo com todas elas, sem exceção.
O que é melhor para a luta do povo? Enfrentar um governo claramente hostil e truculento ou um governo igualmente hostil, porém mais habilidoso e mais capaz de corromper politicamente as lideranças populares?
Ao longo dos debates do primeiro turno, a candidatura do PSOL cumpriu o papel de expor essa realidade e cobrar dos representantes do sistema posicionamento claro contra a desigualdade social que marca a história do Brasil e impõe à grande maioria da população um muro que a separa das suas legítimas aspirações. Nenhum deles se dispôs a comprometer-se com a derrubada desse muro. Essa é a razão que me tranqüiliza, no diálogo com os movimentos sociais com os quais me relaciono há 60 anos e com os brasileiros que confiaram a mim o seu voto, de que a única posição correta neste momento é do voto nulo. Não como parte do "efeito manada" decorrente das táticas de demonização que ambas candidaturas adotam a fim de confundir o povo. Mas um claro posicionamento contra o atual sistema e a manifestação de nenhum compromisso com as duas candidaturas.  

Sexta, 15 de outubro de 2010, 13h52

PSOL levanta a bandeira do Socialismo nessas eleições

Do sitio do PSOL

A campanha do PSOL nessas eleições foi vitoriosa, o partido e a candidatura Plínio conseguiram mostrar para a população que nem tudo vai bem no Brasil, e que é preciso uma mudança radical nessa realidade. Prova disso é que na segunda eleição para cargos federais e estaduais o PSOL conseguiu eleger uma importante bancada que será muito essencial na luta do partido com os movimentos sociais.
Além da eleição de uma boa bancada a candidatura de Plínio foi essencial para denunciar a desigualdade sistêmica, que só será revertida através de um processo intenso de luta dos trabalhadores “Apesar de não termos uma votação expressiva, a campanha foi um sucesso total, pois conseguiu proclamar o socialismo para todos e de maneira irrestrita”, afirmou Plínio em seu vídeo final de eleições.
Plínio também fez questão de lembrar da juventude, um dos setores que mais acompanhou e apoio a candidatura do PSOL à Presidência da República, “outra vitória da campanha foi o interesse que despertamos em parte da juventude, não toda, mas uma parte. Nesse sentido nossa campanha foi super vitoriosa”, afirmou o candidato.

O PSOL e Plínio organizarão após as eleições uma série de atividades com importantes intelectuais, apoiadores da campanha que mostrarão para a sociedade o quão desigual é o Brasil.
Saldo das eleições

O saldo dessas eleições aponta que durante a campanha, mesmo com poucos recursos, sem receber financiamento de empresas privadas, candidatos e militantes mantiveram a coerência e a independência, trabalharam de forma transparente e ética e, como consequência dessa atitude, sensibilizaram novos eleitores em todo o país.

No Rio de Janeiro Chico Alencar foi o segundo candidato a deputado federal mais votado do Estado, com 240.724 votos. Com isso, conseguimos eleger ainda Jean Wyllys. A Câmara federal também continuará contando com a presença e a luta de Ivan Valente, que se reelegeu com 189.014 votos em São Paulo.

A Região Norte mostrou a força e confiança no PSOL elegendo Randolfe como o senador mais votado do Amapá. No Pará, além da vitória de Marinor Brito para o Senado, comemoramos o grande resultado de Edmilson Rodrigues, o deputado estadual que recebeu o maior número de votos da população.
As Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e São Paulo também permanecerão com a presença do PSOL. No primeiro Estado, Marcelo Freixo se reelegeu como o segundo deputado estadual mais votado. No segundo, Carlos Giannazi, poderá dar sequência à sua luta pela educação pública de qualidade com sua reeleição ao cargo.


Carta Maior lança debate: o Marxismo e o Século XXI


A Carta Maior lança a partir de hoje um seminário virtual sobre a obra de Karl Marx e os problemas que afetam a humanidade neste início do século XXI. Diante da grave crise econômica, política e social, decorrente das políticas do modelo neoliberal implementado nas últimas décadas no mundo, o pensamento do autor alemão voltou à ordem do dia. A nova editoria terá a curadoria do professor Francisco de Oliveira, que escreverá e convidará, mensalmente, intelectuais para abordar o tema num debate que se estenderá até o final do ano e procurará ofecerer respostas à pergunta: o que Marx tem a dizer sobre os problemas do século XXI?
O marxismo seguramente foi a doutrina mais importante do século XX, no amplo sentido de um “campo” (Bourdieu) ou ainda no sentido de ideologia (Gramsci) e não no dos próprios Marx e Engels.(como doutrina dominante da classe dominante.) A tal ponto que se pode dizer que o século XX foi o século do marxismo.

A partir das formulações originais da dupla Marx-Engels, o marxismo foi se constituindo numa concepção de história, numa visão de mundo, numa prática de luta, numa política, diretamente na crítica ao capitalismo, seu inimigo figadal. Desde o século XIX, formações partidárias nitidamente operárias criaram-se inspiradas nas idéias da dupla, tais como o prestigioso Partido Social-Democrata alemão, do qual o próprio Engels foi militante e dirigente, e o Partido Socialista Operário Espanhol. Todos os demais partidos de origem operária na Europa Ocidental, e mesmo na Índia, tinham o marxismo como sua orientação teórico-prática mais consistente. 

Deve-se dizer, sem apologia acrítica, que esse vasto campo construiu-se cheio de contradições, que fizeram sua riqueza, até que a mão pesada do Partido Bolchevique, vitorioso na Revolução de 1917, em seguida Partido Comunista da URSS, converteu o marxismo num dogma, e matou, em grande medida, sua capacidade criadora, que requer, antes de tudo, sua própria autocrítica. O marxismo havia chegado à Rússia pelas mãos de teóricos do calibre de Plekhanov, e deu origem imediatamente a um movimento político que tomou explicitamente a forma de partido lutando pela Revolução e pelo poder, com seus dirigentes que se transformaram em condotiere mundiais, Lênin e Trotsky, para citar apenas estes.

Todos os partidos de origem operária o tinham como sua referência principal, salvo, talvez, e ironicamente, o Partido Trabalhista britânico onde o fabianismo e a rejeição à revolução logo dominaram a cena trabalhista inglesa, na contramão de Marx que havia pensado que o crescimento do operariado faria aparecer um pensamento e uma prática revolucionárias. Mas nunca deixou de haver não só uma fração de trabalhistas ingleses marxistas, como uma tradição teórica sobretudo na área da História, como o prova até hoje, Hobsbawm, e ontem, Laski, na teoria política. Mas a contribuição do velho Labour para a formação das políticas do Estado do Bem-Estar talvez tenha sido a mais importante. Esse vasto movimento chegou até às ex-colônias. O Brasil conheceu a formação de seu Partido Comunista já em 1922.

Mesmo refluindo das posições revolucionárias, os partidos de origem social-democrata mais que influenciar, de fato, inseriram as lutas sociais para sempre na política. Todo o vasto movimento do Estado do Bem-Estar radicou na capacidade de operação dos partidos de origem operária, a socialização da política a que aludia Gramsci, o que elevou o nível de vida nos países do Ocidente capitalista a níveis que deixaram o programa inicial de Lênin como mero exercício teórico. Aliás, o “pequeno grande sardo” é um dos marxistas mais originais e criativos, que contribuiu poderosamente para que o próprio marxismo entendesse e explicasse as democracias ocidentais. 

Recusando-se a fazer da política uma dedução da economia – o que, infelizmente, ocorre hoje – Gramsci, nos cárceres do fascismo mussolinista, deu as diretrizes que tornaram o então Partido Comunista Italiano o mais original e o mais capacitado a dirigir a nova Itália democrática. Aqui, mais uma vez, a história pregou uma peça: o progresso italiano, de que o partido de Gramsci foi o avalista em parceria – o “compromisso histórico” – com os cristãos do Partido da Democracia Cristã, terminou por solapar as bases sociais de ambos, e o PCI mergulhou numa longa decadência da qual há apenas vestígios em meio às ruínas das grandezas de Roma.

Mas o marxismo carrega nas costas o pesado fardo do estalinismo e do terror soviético, sem que os marxistas tenham, até hoje, revelado a capacidade de explicar, marxisticamente, a tragédia em que desembocou a revolução mais radical da era moderna. Não é suficiente a explicação materialista-vulgar de que todas as grandes revoluções comeram seus próprios filhos; tampouco justificar a cruel ditadura do georgiano – que na verdade já se ensaiava sob Lenin - pelas realizações técnico-científicas da ex-URSS: todos os marxistas nunca deveriam esquecer a lição do próprio Marx e dos frankfurtianos de que “progresso e barbárie” sempre formaram na história universal uma terrível unidade. 

A partir de certo momento, ficou muito evidente que o “marxismo soviético” (a expressão é de Marcuse) não era outra coisa senão uma doutrina de grande potência arrogantemente usurpadora das tradições marxistas. Mesmo a crítica trotkysta, que cedo viu a “degeneração burocrática” do Partido, e a também ainda mais precoce crítica de Rosa Luxemburgo, junto com a postura de Kautsky, não foram suficientes – nem o poderiam ser, já que o terror estalinista mal havia mostrado suas garras já sob a criação da temível e terrível Cheka sob Lênin.

Nos fins do século que acabou, talvez nas pegadas da explicação de Perry Anderson para o que ele chamou de “marxismo ocidental”, a combinação da desestruturação produtiva, com a revolução técnico-científica e paradoxalmente o próprio progresso levado a cabo pelo Estado do Bem-Estar desbarataram a própria classe operária e seus partidos social-democratas e comunistas; o “marxismo ocidental” descolou a reflexão teórica da perspectiva revolucionária. Deixou de influenciar a política e, pois, a luta de classe organizada, e refugiou-se nos trabalhos acadêmico-científicos. Mesmo assim, na universidade, que apenas durante um curto período – uns 40 anos , se tanto – abriu-se para o marxismo, o movimento também refluiu. 

Mas, surpreendentemente, a força criadora do marxismo abriu novas fronteiras , mesmo em terrenos que lhe eram anteriormente hostis e com os quais, ele mesmo, teve relações conflitivas e lhes dirigiu anátemas dogmáticos. É o caso das religiões- antes o “ópio do povo”, da psicanálise ,-uma ciência do inconsciente da justificação burguesa dos seus próprios crimes -, da própria literatura (nos caminhos já originalmente pensados por Lukacs), na critica da cultura e da modernidade – os frankfurtianos – da hegemonia norte-americana, Gramsci e seu “americanismo e fordismo”. Esses terrenos todos foram imensamente fecundados pelo marxismo, que lhes ampliou os horizontes.

A pergunta que essa curadoria quer fazer é direta: e o século XXI e no século XXI ? O que o marxismo pode vir a ser, o que o marxismo tem a dizer? O século abriu-se com a maior crise econômica, mundial, global, desde os dias da Grande Depressão de Trinta. Mesmo sobre esta, o que o marxismo disse “no calor da hora” não honrou muito as tradições da economia política marxista, que é seu terreno e sua certidão de nascimento. Economistas como Ievguin Varga passaram a certidão de óbito do capitalismo na crise de 1929. E agora, que crise é esta? François Chesnais tem dado orientações teóricas muito férteis, sobre a transição para um regime de acumulação à dominância financeira. E que mais ? 

Não há marxismo sem marxistas; estes não são muitos, hoje, no Ocidente. No Brasil, às vezes tem-se a impressão de que o marxismo floresce sobretudo na universidade, na área de humanas, e ilumina muitos nichos da crítica. Mas nos partidos de esquerda, o marxismo é quase sempre um indesejado e no operariado ele é mais, é desconhecido. Operariado aliás, hoje multifacetado, reduzido nos locais produtivos, abundante nos locais de serviço, milhões nos trabalhos informais, uma grande classe não-classe. Será possível combinar reflexão criadora, novas interpretações do mundo, descoladas do trabalho?

As explorações sobre essas intrigantes questões não se farão com um marxismo ensimesmado, sectário e doutrinário; mas não se trata de proclamar um ecletismo despolitizado: as interrogações partem da tomada de posição de que o marxismo pode ainda alimentar as lutas pela transformação social e política, senão com a transcendência e abrangência mostradas no século XX, pelo menos com uma postura crítica que não se deixará seduzir nem pelo apocalipse nem pelo conformismo. Em suma, um marxismo dialógico e dialético. 

PT – O Partido Que Nunca Foi Governo

O texto é de Robinson Cavalcanti, um socialista, pastor anglicano, e uma das principais expressões da teologia da missão integral. Para o mundo evangélico, ele possui um peso semelhante ao q Leonardo Boff/Frei Beto, possuem no mundo católico.
Dom Robinson Cavalcanti ([i])
 Afirmativa inexata é a referência “a esse governo do PT”. Embora o Presidente da República seja filiado ao partido, ele nem governa com seu programa, nem com seus quadros. O “lulismo” não é igual ao petismo, assim como o “getulismo” não foi igual ao trabalhismo. Durante os oito anos da gestão lulista, houve uma redução dos quadros dirigentes petistas e uma ampliação dos oriundos da denominada “base aliada”. Ela vai do fisiológico PMDB, da esquerda à direita históricas, de ex-marxistas a ex-sustentáculos do regime militar, de ex-guerrilheiros a herdeiros das capitanias hereditárias, de sindicalistas à fina flor do empresariado, em um bem costurado “pacto das elites”, cooptando como coadjuvantes (índios em filme de cowboy) alguns trabalhadores e alguns representantes das classes médias, e incluindo os “companheiros” Collor, Renan e Sarney.
 A maioria da “base aliada” apoiou o governo FHC e apoiará qualquer governo. O programa do PT foi para o espaço há muito tempo e não passa de uma peça ornamental, com a garantia que não será levado a sério. Antes das eleições presidenciais de 2002, o PT soltou a Carta de Olinda, reafirmando sua ideologia e o seu programa. Pouco depois, na calada da noite, saiu a Carta ao Povo Brasileiro (chamada de Carta aos Banqueiros), quando, pelo alto, abjurando de sua história e dos seus princípios, o partido contra o sistema optou por ser um partido no e do sistema. Um dirigente foi enviado à capital do Império para acalmar os donos do poder mundial. Outros conversaram com o capital nacional.
O que o Partido Social-Democrata alemão fez no Congresso de Bad-Godesberg, 1952, depois de um amplo debate, a cúpula do PT o fez com um ato de força. O partido que ouvia as bases passou a enquadrá-las. Ao contrário da maioria dos partidos brasileiros, desde os aristocratas no Império, e os oligarcas nos primórdios da República, o Partido dos Trabalhadores teve uma origem e uma trajetória únicas em nossa história política, nascendo de baixo para cima, incluindo os excluídos, mobilizando, debatendo, democratizando as decisões. Em sua origem estavam marxistas críticos do modelo soviético, intelectuais progressistas, religiosos de linha profética, novos sindicalistas independentes e movimentos sociais organizados. Nela havia algumas certezas: o compromisso com a preservação e aperfeiçoamento do regime democrático, das liberdades públicas e dos direitos civis, uma rejeição ao modo de produção capitalista e ao modelo totalitário soviético, a busca da justiça social em um processo participativo, tendo no horizonte a construção de um socialismo democrático fincado em nossas raízes.
 Esse sonho embalou muitos e despertou o voluntariado de uma militância idealista. Porém, esse sonho já acabou há muito tempo. Os idealistas caíram fora. O realismo pragmático centralista, em torno do líder, a cooptação em cargos no aparelho do Estado, os arranhões à ética, o abandono da ideologia e do programa, as alianças com qualquer um e a qualquer preço, atestam que a estrela se apagou – hoje há apenas um nome, sem vínculos com um passado perdido. O lulismo permitiu aos banqueiros os maiores lucros do mundo, atendeu ao empresariado em quase tudo que ele pediu e, apesar da retórica e de gestos simbólicos independentes, se manteve dentro dos parâmetros permitidos pelo Império. As classes médias foram agraciadas com alguns mimos, se estatizou o clientelismo paternalista para com os pobres e se decretou que quem ganha dois salários-mínimos é membro honorário da classe média.
 Como autêntico partido da ordem, o lulismo recebe criticas do sistema apenas por alguns tópicos ou ênfases, ou por razões estéticas: o presidente não é “um dos nossos”, mas um caboclo retirante nordestino sem curso universitário. Enquanto isso, o Congresso Nacional continua a ser uma pirâmide social invertida, com a maioria das minorias de cima e a minoria das maiorias de baixo. O sistema eleitoral permite que parlamentares menos votados sejam eleitos, mais votados sejam derrotados e suplentes que você nem sabe quem são – que nunca tiveram um voto – lhe representem no Senado da República. Para os cargos majoritários, sem consultas ou primárias, a escolha é feita pelas cúpulas e o eleitorado é chamado a escolher dentre aqueles que escolheram para ele escolher. Não há um Projeto Nacional. A segurança pública, a educação, a saúde, o saneamento básico e a qualificação de mão-de-obra vivem o faz-de-conta. A desigualdade social e regional é um escândalo, com Alagoas registrando 35% de miseráveis (vivendo com até um terço de salário-mínimo). Muita propaganda. A imprensa controlada por poucos manipulando muitos.
Uma eleição presidencial sem oposição ou alternativas, mas uma disputa entre o retrocesso ou quem melhor “aperfeiçoa” o continuísmo. Os cristãos continuam sem afinar os valores do Reino, fazendo diferença, mas, em sua maioria, estão alheios, desiludidos, cooptados ou perdidos como cachorros em caminhão de mudança. Orar, discernir, intervir.


[i] Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada e Anglicanismo: Identidade, Relevância, Desafios.

Da farsa à falta de idéias: o poder da mídia e a cenas da desertificação política brasileira


Wellington Fontes Menezes

1. A propaganda midiática como arma

Nenhuma guerra é travada apenas com ideologia, ódio, liturgias, destreza e chumbo. As guerras evoluem de acordo com o materialismo e as crenças vigentes nas sociedades de cada época. A partir do século XX, foi necessário algo que pudesse permear o inconsciente social dos indivíduos e fazer que haja uma adesão popular arrebatadora para a guerra ser travada com maior possibilidade adesão popular e êxito: a propaganda midiática.

A Alemanha pré-nazista era um Estado economicamente moribundo após as sanções sofridas decorrentes de sua derrota na Primeira Guerra Mundial, politicamente vivia um clima de uma agitada e frágil democracia e a resignada desesperança reinava por todo o solo alemão. Na guerra entre comunistas e radicais de direita, um partido se destacou no cenário da democracia alemã na República de Weimar: o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (da sigla em alemão, NSDAP), conhecido simplesmente como Nazi (abreviatura do nome em alemão “Nationalsozialistische”) e dirigido por Adolf Hitler. O futuro “Führer” sabia que poderia usar todo este quadro desesperador como trunfo para seus interesses políticos e contou com a colaboração irrestrita de Joseph Goebbels um dos seus mais fiéis parceiros para a articulação e construção do ideário nacional-socialista. Desde a ascensão do partido nazista ao Reichstag em 1930 até a invasão soviética à cidade de Berlim em 1945, Goebbels foi um dos maiores expoentes do núcleo dirigente do fascismo alemão e trabalhou enfaticamente com a utilização massiva com todos os elementos da propaganda midiática de sua época para a construção de mitos e fortalecimento da ideologia nazista. Goebbels tinha uma clara noção de como os meios de comunicação, em particular o cinema e o poder da oratória, poderia permear o tecido social e adentrar o espírito desgastado e ao mesmo tempo aguerrido do povo alemão. O “novo homem” sonhado por Hitler e mitificado por Goebbels passaria necessariamente por um “esclarecimento” das massas arianas contra a “infâmia” do complô judaico-bolchevique. Filmes como “The Jew Süss” (1940), “Uncle Krüger” (1941) e “Kolberg” (1945) são exemplos de clássicos cinematográficos de propaganda nazista e suas produções foram supervisionadas de perto por Goebbels (este por sinal era um aficcionado por cinema e queria transformar as produções alemãs na vanguarda estética de uma “nova era” representada pelo ideal nacional-socialista).

Em terras brasileiras, é difícil imaginar hoje uma residência, por mais precária que seja sem uma televisão. Se procurarmos ao acaso, em algum barraco de qualquer periferia brasileira poderá se encontrado uma geladeira vazia, algumas barrigas roncando e uma televisão ligada com alguns pares de olhos esbugalhados à sua frente. Assim como o rádio que constitui no maior fenômeno de comunicação da primeira metade do século XX, a televisão tomou proporções inacreditáveis em até o inicio do século XXI. Todas as novas mídias contemporâneas são apenas suportes para o olhar na tela. A explosão da internet, em especial com o site YouTube, é o exemplo que a imagem é a lente narcísica do homem contemporâneo.

Antes chamada pejorativamente de “quarto poder”, a Big Media gradativamente galgou espaços significativos e vem se postulando como o segundo poder, apenas perdendo para o Poder Executivo. Por mais relutante que seja esta afirmação para alguns olhares mais sensíveis: não há duvidas que o Poder Legislativo somente vem servido no Brasil para a manutenção da fachada de uma semidemocracia e o Poder Judiciário, de tão moroso e controverso em suas decisões, vem se tornando no máximo um mero apêndice do Poder Executivo.

Para o grande capital, pouco importa se uma nação é democrática ou não. O que de fato tem significado para os empresários e investidores são os elementos norteadores que o governo local imputará à economia e salvaguardas que favoreçam os investimentos privados. Os grandes grupos econômicos não têm o menor constrangimento em apoiar regimes politicamente fechados ou despóticos quando seus interesses econômicos são seguramente protegidos. Quem hoje ousaria a não fazer comércio com a “despótica” China? Na era do cínico “politicamente correto”, a propalada “responsabilidade social das empresas” é uma retumbante afronta ao bom senso e a inteligência quando na verdade a única visão que capitalista se preocupa é com sua própria escala de lucros.
O elemento “mídia” envolve um conjunto de significados e simbologias. Os meios de comunicação se articulam com seu poder de participação e influencia dentro da sociedade brasileira. Num país de extensão continental como é o Brasil, o monopólio da comunicação ficou reduzido a um pequeno grupo de famílias que controlam estas mídias e de acordo com seus interesses. Não é estranho que praticamente toda a programação televisiva aberta é tão parecida em formato, conteúdo e bobagem. Até mesmo a programação das partidas de futebol da primeira divisão, principal esporte nacional, é submetida ao crivo e a veleidade da grade televisiva de uma única emissora, a Rede Globo!


2. A Política como farsa
Em épocas eleitorais o cenário é a devastação do bom senso. Uma enxurrada de promessas cínicas e risíveis é ofertada aos olhares resignados dos consumidores e quando estão com o título eleitoral nas mãos, são chamados de “eleitores brasileiros”. Não causa mais espanto a eleição de tipos políticos esdrúxulos com estrondoso número de votos. Os partidos políticos, ou seja, estas agremiações que trabalham como entrepostos mercantis de um balcão de negócios políticos espúrios, arregimentam figuras bem conhecidas da mídia para “puxar” votos para sua legenda (uma estratégia permitida pelas lacunas da lei eleitoral). A figura da vez é o palhaço Tiririca com mais de 1,3 milhão de votos foi eleito pelo maior colégio eleitoral do país para ser o mais novo figurante da Câmara dos Deputados. Sim, Tiririca é o nome principal da “locomotiva” parlamentar paulista que carrega com sua prepotência fascistóide os demais carros vazios no Brasil. Muitos colunistas e jornalistas da grande mídia afirmaram que o voto em Tiririca seria o chamado “voto de protesto”. Seria até curioso alguém protestar votando num “palhaço” que poderá simbolicamente “piorar o que já está”! O que parece é muito mais uma resignação e alienação da própria estrutura da vida social. Trocando em miúdos do extremo narcisismo: “vou cuidar da minha vida e f... o resto!”. Aqui estamos assistindo a adesão massiva de 1,3 milhão de pessoas! Não é difícil de imaginar este tipo de reação quando toda a publicidade canaliza o espírito da agressividade narcísica do seu alvo: o consumidor.

Ainda falando de São Paulo e sua maneira conservadora de pensar a política. O mesmo estado paulista que doou mais quatro anos de mandado para a dinastia governada pelos tucanos ao eleger novamente a figura insípida de Geraldo Alckmin, um represente da Opus Dei para o Palácio dos Bandeirantes. A arrogância conservadora paulista, que tem o maior orçamento entre os estados brasileiros e um dos piores índices de Educação Pública do país. Parece inconcebível que uma sociedade que se diz democrática trate seus filhos de maneira tão grotesca e irresponsável como é a educação publica paulista. Anualmente, saem dos Auschwitz-mirins, a atuais escolas públicas estaduais, milhares de alunos semi-alfabetizados com o “diploma” na mão e vivendo de alguma esperança para o futuro. Jogado à sua própria sorte, o “novo cidadão” parido nestes campos de desertificação educacional poderá ser adotado pelo narcotráfico de sua localidade ou algum emprego que ofereçam generosamente um salário mínimo em troca de sua jornada exaustiva.

O típico paulistano pequeno-burguês reclama esbaforido do programa estatal de transferência de renda, o conhecido “Bolsa Família”, porque produz “vagabundos”, porém nada faz para remunerar com alguma dignidade seu escravo-trabalhador. A eleição da manutenção da dinastia que vai para o imaginável vinte anos de poder do PSDB representa no estado de São Paulo a certeza que os ranços escravocratas estão longe de serem banidos da alma da burguesia local e do espírito de “vira-lata” das classes trabalhadoras. Logo, a democracia em São Paulo para o trabalhador paulista é calar a boca e abaixar a cabeça, labutar por um salário insuficiente, viver suplicando empréstimos em alguma casa de agiotagem oficial, quando possível “limpar” o nome do SERASA-SPC e ainda ter que agüentar todos os domingos o programa do Faustão e Gugu Liberto! Ah, claro... E além de democraticamente escolher seus “representantes” do tear encantado do sistema eleitoral brasileiro.

A democracia à brasileira se faz também com sangue. Mas não com o sangue derramado de supostos “revolucionários”, mas do pobre e marginalizado. Sem pudores, o Rio de Janeiro já sabe como conciliar desenvolvimento com miséria: a solução é o extermínio dos pobres em seus lugares de origem, ou seja, no alto das favelas e sem respingar no asfalto: “É a guerra, cumpadi!” Mais de quinhentos anos após a descoberta de Álvares de Cabral, um novo Cabral fluminense redescobre o Brasil. Não há dúvidas que o “Método Sérgio Cabral” de fazer políticas públicas deve se estender por todo o país até o cartão-postal da “Copa do Mundo” (2014) e dos “Jogos Olímpicos” (2016). No final do dia 03 de outubro do presente ano, Cabral disse entusiasmado aos microfones da mídia logo após a confirmação de sua reeleição no primeiro turno para o governo fluminense: “a mãe de todas as políticas públicas é a política de segurança”. Palavras do “estadista” fluminense que mais parecia um político estadunidense buscando convencer a opinião pública sobre a necessidade da nefasta e perdulária manutenção da tal “guerra contra o terror”. Possivelmente como se internalizou a barbárie à brasileira na guerra civil fluminense, a respeito desta declaração cabralina a Big Media silenciou. E nestas horas vale o dito popular: “quem cala...”.


3. O teatro cafajeste da política nacional: “censura”, aborto, religião e mixórdia.
Tornou-se quase um lugar-comum na Big Media brasileira que estaria falida a designação “esquerda” e “direita”. Além disto, todos os grandes temas nevrálgicos das disputas partidárias estariam “superados”. Logo, uma “nova ordem” estaria estabelecida sob a tutela da democracia neoliberal e suas leis incorruptíveis do livre mercado. Neste sentido, fazendo um excelente trabalho de publicidade, a ideologia neoliberal é avassaladora, tal como Goebbels insistia na veemência sistemática da propaganda (por mais mentirosa que ela seja), até conseguir seus objetivos. Neste contexto de desertificação política, todos os políticos seriam iguais e nada se poderia esperar de forma tão “revolucionária” da política além da mera expectativa do transcorrer do tempo. Jogando a questão visceral dos problemas inerentes da diferenciação das classes sociais para debaixo do tapete, esta natureza asséptica da política neoliberal pulverizaria toda expectativa de mudança social.

Atualmente o brasileiro se vê obrigado a escolher, entre dois nomes, um que irá ser o chefe-maior do seu país. A petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra seriam diferentes entre si? Ou seria tão radicalmente diferente como a Big Media faz questão de publicar em seus jornalões diário e suas revistas semanais? Se pautarmos pelas revistas semanais como a “Veja” do grupo Abril, é possível pensarmos que estamos vivendo na Idade Média com a demonização da candidata Dilma contra a sacrossanta presença do candidato tucano. A tal “verdade” rotulada pelos veículos da Big Media é tão robusta como gelatina. O que ainda espanta é o caráter “vitimalógico” que alguns setores da imprensa, em tons eleitoreiros pró-candidato tucano, querendo imputar a idéia que haveria uma “censura” no Brasil. Justamente as grandes detentoras de lucros com a publicidade e sempre partidárias do modelo neoliberal se postularam como “reféns” de um suposto ataque à imprensa por parte do governo Lula. Para deixar um cenário mais turvo, alguns intelectuais estranhamente entraram neste barco histérico do “retorno” à censura justamente (e estranhamente) neste período eleitoral para atingir a candidata petista. Eis o nível do “debate” autista que a Big Media propõe ao país: a dispersão de mexericos, intrigas e mentiras em nome da “política nacional”.

O candidato José Serra é uma daquelas figuras que não hesita pisar no pescoço da própria mãe a fim que possa ganhar alguma vantagem. Foi assim que conseguiu se livrar do cotado presidenciável colega de partido, o rival mineiro Aécio Neves e ocupar espaço dentro do PSDB para impor novamente sua candidatura ao Planalto. Na guerra das bobagens políticas que se transformou o as eleições para eleger o sucessor de Lula, entre o besteirol a respeito do aborto e apelações religiosas esdrúxulas, Serra utiliza-se o marketing e da mentira sem piedade na tentativa de ser um bom discípulo de Goebbels. O mote tucano é simples: o Serra é o “Bem” numa campanha que ele é o agente azul da bondade contra o vermelho maléfico da petista Dilma. É uma velha estratégia que ainda pode colher frutos numa sociedade politicamente aculturada, apática e conservadora, principalmente nas capitais de grande concentração de votos como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

No vale-tudo (e vale mesmo!), vale até mesmo encenações teatrais patéticas, como ocorrida ontem, 21 de outubro, no Rio de Janeiro. Serra numa caminhada pelo bairro de Campo Grande é atingido por uma bolinha de papel na cabeça e segue normalmente o percurso. Depois recebe uma ligação de celular e coloca a mão sobre a cabeça sem nenhum ferimento aparente. A encenação que seria reprovada por Veit Harlen, grande cineasta de Goebbels, provavelmente foi motivado por algum arauto de sua estratégica de marketing. Em seguida, em meio ao tumulto entre partidários tucanos e petistas, a “vitima” tucana é levada a um hospital para fazer exames. Toda a cena foi filmada pela câmera do jornalismo do SBT. A farsa somente se completaria no dia seguinte, com declarações do presidenciável tucano responsabilizando o presidente Lula pelo “clima de guerra” na campanha. É inadmissível qualquer ato que atinja fisicamente qualquer pessoa, seja ela candidata a algum cargo público ou não. Todavia é mais reprovável ainda que um candidato ao posto político mais importante de um país utilizar-se de métodos patéticos e simplistas para criar falsos fatos políticos.

A desertificação política prossegue em largos passos. Na mais bisonha e preocupante falta de idéias de programas políticos para o Brasil, os dois candidatos ao Planalto demonstram a clareza da falência de reais projetos políticos. Se de um lado, Dilma se tornou uma espécie de vitrine do governo Lula para conservar a continuidade dos oito anos da gestão que teve sua participação direta; por outro lado, Serra vem querendo fazer o mesmo que Dilma (mudar para deixar exatamente tudo como está), com apelações políticas ainda mais reacionárias e conservadoras ao estilo da histriônica ex-vice-candidata republicana ao lado do ex-presidenciável John McCain à Casa Branca em 2008, a fascistóide Sarah Palin, ex-governadora do “estado-potência” do Alasca. A exemplo de Palin, no desespero de campanha, Serra prega um retorno ao um moralismo conservador o qual ele se postula como um arauto dos bons modos e costumes na terra sagrada de Macunaíma. Dias atrás, no calor da campanha em Goiás, a cena de Serra beijando um crucifixo para o público seria hilário se não fosse preocupante o fato de um candidato ao posto mais importante do país se sujeitasse ao apego à uma falsa cristandade. Dilma não ficou atrás e se tornou visível sua preocupação em se aproximar das pregações evangélicas reacionárias temendo perder votos para este público com ideais de progresso medieval.

Nesta disputa de quem diz mais mentiras e bobagens na política brasileira, duas figuras do mantra evangélico entraram em debate, o empresário Edir Macedo, vulgo “bispo” da bilionária Igreja Universal do Reino de Deus e o pastor Silas Malafaia da corrente de uma das “Assembléias de Deus”. Macedo que em 1989 apoiou Collor de Melo para presidente e comparou o então candidato Lula ao diabo. Hoje, com seu peculiar cinismo, Macedo diz apoiar Dilma, a candidata de Lula à presidência. Malafaia, por sua vez, afirma apoiar Serra. O debate entre as duas figuras do mercado evangélico se pontua no explicito preconceito jurássico: a questão do aborto e do casamento de pessoas de mesmo sexo. Discutem com se o aborto fosse um tema meramente dos homens e como se as mulheres fossem débeis demais para julgarem o desenvolvimento de biológico, psicológico e de saúde de seus próprios ventres.

Ademais, como se de fato algum destes dois empresários evangélicos ou algum grupo de políticos oportunista estivessem preocupados de fato com a vida alheia ou com o desespero atávico de alguma mulher grávida pauperizada, depressiva, solitária e sem esperança. Para estes chefes de organizações empresariais do Evangelho, o importante mesmo é explorar a desesperança alheia em busca do lucro fácil que suas corporações dão as suas diversas contas correntes. A miséria humana é explorada ao extremo por pessoas sem o menor escrúpulo. Vale afirmar que é absurdo o forte poder midiático nas mãos destes empresários da fé que exploram impunemente programas televisivos e de rádio e, por sua vez, conquistam cada vez mais espaço na cena política brasileira.

4. O que esperar no Saara brasileiro?

Entre o ventriloquismo petista de Dilma e o neoliberalismo privatista de Serra, na esteira da falta de norte para o país, no primeiro turno, apareceu como modismo a “terceira opção” na candidata “verde”, Marina Silva, pregando a farsa do “desenvolvimento sustentável” do ecobusiness misturado num reacionário conservadorismo evangélico. Mais de 20% dos eleitores brasileiros caíram nesta conversa fiada e oportunista de Marina, e em geral, movidos pela falta de opções políticas minimamente mais consistentes para o país.

A opção pelo “voto nulo” é uma possibilidade dentro do quadro eleitoral, mas pouco contribui para construir algo com mais solidez e também quem quer se esquivar da real política. A tal “neutralidade política” é para não se comprometer com absolutamente nada e ainda andar com o nariz empinando dizendo alto em bom som: “eu não tenho nada a ver com isto!”. Tal como a candidata Marina Silva, após anos na fileira do Partido dos Trabalhadores e quase seis anos à frente do Ministério do Meio Ambiente do Governo Lula, salta de supetão há cerca de um ano das eleições para os quadros do Partido Verde para se candidatar ao Planalto, pregar a nulidade ou a neutralidade no processo do segundo turno é a mais oportunista e rasteira covardia política. Obviamente, a ex-candidata quer aproveitar os louros momentâneos de sua meteórica aparição no cenário político nacional para posteriormente colher algum “verde” para o futuro de sua vida política. Mais uma vez, são os interesses pessoais que ditam as normas da conduta política pessoal acima dos interesses de qualquer projeto de nação. E o “marketing verde” dizia que Marina era o “novo”... Somente o eleitor muito “verde” para acreditar em ecopublicidade!

Os factóides farsescos e o apelo à uma liturgia conservadora são características de um tempo onde a política foi substituída pelo marketing e os projetos de interesse do país foram pulverizados em promessas e declarações charlatãs e demagógicas. Dizer que Dilma e Serra são iguais é uma inverdade. Porém ambos os candidatos não representam nada adicional para o debate a respeito dos caminhos que resultariam na transformação de um país semidemocrático para um Estado de bem-estar social satisfatório. Todavia, a simples candidatura de um político como José Serra que utiliza até as mais bizarras encenações públicas para angariar votos é preocupante. As gestões do neoliberal tucano à frente ao Planalto no período de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e a dinastia no governo paulista da tríade Covas-Alckmin-Serra são exemplos de administração pública que resultariam num retrocesso ainda mais significativo para o Brasil.